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sexta-feira, 3 de setembro de 2010


NÓS, OS QUE MATAMOS TIM LOPES

Affonso Romano de Sant'Anna

Você que, numa festa, vai ao banheiro cheirar uma carreirinha de pó, você matou Tim Lopes.
Você que dá festas elegantes servindo êxtase em bandejas para seus sorridentes convidados, você matou Tim Lopes.
Você que se encontra com sua turma no bar, fica ali pela calçada com um copinho na mão, mas dá suas cafungadas, porque isto faz parte da”nite”, você matou Tim Lopes.
Você, ator de teatro e televisão, que manda ver nas drogas, você matou Tim Lopes.
Você artista e intelectual que curte seu pozinho e faz elogio de um equivocado conceito de marginalidade estética, você matou Tim Lopes.
Você jornalista, que curte sua droguinha de vez em quando, você matou Tim Lopes.
Você músico, que para embalar seus shows entra no barato, você matou Tim Lopes.
Você policial, que pactua com o crime, que faz vista grossa e que recebe propinas do tráfico, você matou Tim Lopes.
Você advogado, que defende traficantes, que faz de tudo para tirá-los de trás das grades, você matou Tim Lopes.
Você juiz relapso, que neglicencia processos de traficantes, você matou Tim Lopes.
Você político demagogo e clientelista, que só se aproxima da favela para tirar votos, você matou Tim Lopes.
Vocês que fizeram essa política recessiva, que abre empregos no tráfico, vocês mataram Tim Lopes.
Enfim, matamos Tim Lopes todos nós que de maneira direta e indireta pactuamos com o crime. Porque chegamos a um tempo em que a participação indireta tornou-se tão infamante quanto a prática direta do próprio crime.
E não se trata de um exercício do famoso complexo de culpa judaico-cristão. Trata-se, isto sim, de fazer uma auto-crítica pessoal e do sistema que engendramos.
O fato é este. Estamos numa guerra. O governo por inépcia custou a reconhecer isto. Esta guerra já tem mais de 30 anos. Era como se os nazistas tivessem já invadido a França e o governo francês tivesse levado 30 anos para perceber . Há 22 anos, por exemplo, escrevi sobre esta crise. E há muito, correndo o risco de ser mal interpretado, dizia que as Forças Armadas tinham que entrar nesta guerra, antes que virássemos Colômbia. 
Numa guerra não há meio termo. Quem fornece munição ao inimigo está ajudando o outro lado a vencer. Quem dá o seu “tapinha” eventual está não só fortalecendo o traficante como ajudando a que tombem outras vítimas- os drogados. Do mesmo modo que há que traçar novas estratégias bélicas associadas a maciças ações sociais, temos também que rever nossas posturas éticas e até estéticas.
Dou-lhes um exemplo. No dia em que Tim Lopes foi assassinado, estava eu no MAM vendo uma exposição de arte contemporânea, que incluía trabalhos de Hélio Oiticica, artista da vanguarda e da marginalidade artística nos anos 60 e 70. Na parede, entre suas obras, uma bandeira amarela com a reprodução da foto do bandido Cara de Cavalo morto e, em cima, uma frase do artista: “Seja marginal, seja herói”. 
Houve, portanto, um tempo, tempo recente, quando esta guerra estava começando em que, em nossa cultura, era um charme louvar o marginal. O artista se julgava um marginal, um guerrilheiro e procurava neles pactos ideológicos, éticos e estéticos. Surgiu toda uma cultura “underground”, que se opondo, às vezes heroicamente, ao sistema, fez uma perigosa aliança com o submundo das drogas. Por contaminação, chegou-se até a criar um tipo de literatura que se gabava de ser “literatura marginal”.
Claro, havia a ditadura para justificar certas posturas. Mas a contaminação estava feita. E nos dois sentidos. Mesmo os guerrilheiros presos na Ilha Grande, nos anos 70, reconheceriam que passaram conhecimentos e táticas de guerrilha para os presos comuns. Havia ainda a visão romântica de que se poderia cooptar o marginal para a revolução. Na verdade, estava ocorrendo o contrário. Os marginais estavam nos cooptando e expandindo seu mercado, corroendo pelas drogas o sistema. Hoje, reconhece-se, são um “estado paralelo”. Elias Maluco e os comparsas que organizam bailes funks onde as letras das músicas recomendam torturar e queimar opositores, esses, para nosso constrangimento, adotando a técnica da “apropriação” tão cara à pós-modernidade, jubilosamente acenam sua bandeira no topo da miséria: “Seja marginal, seja herói”.

 Notas de Literacia:

Condenado por assassinato de Tim Lopes vende drogas em favela do Rio


Zeu cumpriu 5 anos da pena, antes de fugir ao conseguir regime semiaberto.



Condenado a 23 anos e seis meses de prisão por participação no assassinato do jornalista Tim Lopes em 2002, Elizeu Felício de Souza, o Zeu, cumpriu apenas cinco anos e 25 dias, e é considerado foragido da Justiça. Ele conseguiu o direito ao regime semiaberto, e no primeiro dia que saiu, não voltou mais. A polícia procura o bandido há três anos e não encontra. Mas o criminoso foi localizado vendendo drogas em uma favela do Rio de Janeiro.


ARCANJO ANTONINO LOPES DO NASCIMENTO, conhecido como TIM LOPES


(18/11/1950 - 2/06/2002)


Data do assassinato: desapareceu em 2 de junho de 2002. Depoimentos de traficantes presos indicam que foi morto entre as 22h e as 24h desse dia.


Local e circunstâncias do assassinato: por volta das 17h de 2 de junho, domingo, Tim Lopes foi até a favela Vila Cruzeiro, no bairro Penha, subúrbio do Rio de Janeiro, com uma microcâmera escondida numa pochete que levava na cintura, para gravar imagens de um baile funk promovido por traficantes de drogas. Ele havia recebido uma denúncia dos moradores da favela de que no baile acontecia a exploração sexual de adolescentes e a venda de drogas. Ia checar também a informação de que os traficantes construíram um parque infantil num acesso da comunidade, para dificultar a ação da polícia, e que desfilavam armados de fuzis.


Provável causa: os traficantes estranharam a presença de Tim Lopes no local. Há suspeita de que, uma vez descoberto, sua morte tenha sido decidida como vingança pela reportagem feita anteriormente, sobre a venda de drogas no morro, veiculada em agosto de 2001 pela TV Globo. Depois desta reportagem, vários traficantes foram presos e o tráfico da região teve um prejuízo econômico durante um bom tempo. Outras hipóteses são de que Tim Lopes tenha sido confundido com um policial ou um informante da polícia.




Suspeitos: segundo testemunhas, a morte de Tim Lopes foi definida pelo traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, um dos líderes do grupo criminoso Comando Vermelho, que domina o complexo do Morro do Alemão, formado por 12 favelas. As investigações indicam que participaram outros oito traficantes de sua quadrilha. Entre eles, André da Cruz Barbosa, o André Capeta, Ângelo Ferreira da Silva e Elizeu Felício de Souza, o Zeu. Antes da execução, os traficantes fizeram uma espécie de julgamento para decidir sobre a morte do jornalista. Ele foi torturado antes de morrer.


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