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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Virgem e Louca
  

 [in Das Cobras o meu Veneno]


 Leila Jalul*

Em Mateus 25: 1-13, está a parábola das dez virgens. Eu não sabia disso, mas está. A leitura do The Big Book sempre reserva surpresas.
Andei numa cidadezinha pequena, pouco conhecida para muitos há mais de 25 anos e que só entrou no mapa da geografia mundial através do assassinato de um ilustre filho, o Chico Mendes. Cidade de muro baixo e teto escuro, covil de gente bandida e cobarde, num recente período da história acreana. A minha Xapuri, da qual vou falar, era outra.
Estive lá a negócio, vendendo a ilusão de uma licenciatura parcelada. Isso, no linguajar sociologístico, quer dizer uma formação de nível superior, onde se formava e entregava canudos num menor espaço de tempo, no maior número de abrangência das áreas de conhecimento e, de preferência, para uma batelada de alunos. No período de férias, entendem? Coisas de Jarbas Passarinho e seus seguidores, sabem como é?
Numa talagada só, numa única cajadada, o cara se formava em Química, Física, Biologia e Matemática. Tinha festa de formatura, patrono, paraninfo e etecétera e tal.
Disse e provo: tive caminhos torturantes e espinhosos. A bem da sobrevivência de minha família, colaborei e corroborei com idéias diametralmente opostas às minhas. Apenas em termos educacionais, evidentemente.
Pois bem, terminado o “exame de admissão” dos cento e tantos concorrentes, naquela cidadezinha, nada mais havia a fazer. Num domingo, principalmente. E foi num domingo que saí do hotel–pensão, tipo acanhadinho, para a aventura de procurar o mercado central. Andei, andei e não encontrei.
Xapuri era uma cidade sem mercado popular, sem feira livre e sem a banquinha da Dona Mariana vendendo tapioca com manteiga e cuscuz com leite de castanha. Sem identidade, portanto. O mercado é o coração de uma cidadezinha. Xapuri não tinha coração. Fiquei sem o café.
No retorno, avisto uma casinha, tipo boteco, de onde se ouvia uma música que lembrava igreja. Andei poucos passos e já encontrei. Ali estavam, sentados em bancos sem qualquer conforto, uma dezena de fiéis e um pastor. Entrei sem pestanejar.
O papo era sobre dez virgens do Mateus, aritmeticamente divididas em dois grupos, sendo cinco prudentes e cinco néscias. A jogada era a seguinte: todas deveriam trazer azeite para alimentar as lamparinas, função cumprida apenas pelas cus-de-ferro prudentes. De afogadilho, as malucas imploraram uma mãozinha, uma ajudinha, antes que os noivos desistissem do casório. Em vão. Deus não aceitou a cartada e os seus casamentos foram para o brejo.
O pastor falava, falava, explicava a metáfora e todos pareciam entender. Só não posso afirmar se ele próprio entendia. Pouco importa.
Ao final, pediu fosse entoado um louvor.

Deus:
Alertai, alertai, alertai que os noivos aí vêm.
Despertai, despertai, vejam se as lamparinas azeite têm...
As loucas:
Dá-nos um pouquinho de azeite, por favor
Que as nossas lamparinas se apagaram, que horror...
Dá-nos um pouquinho de azeite, por favor
Que as nossas lamparinas se apagaram, que horror.
O coro:
Enquanto as cinco loucas foram buscar o azeite,
as cinco virgens prudentes iam a caminho do altar.
Refrão de Deus:
Alertai, alertai, alertai que os noivos aí vêm.
Despertai, despertai, vejam se as lamparinas azeite têm...

Terminado o cântico, a hora do clamor. Acostumada a treinar meus ouvidos para escutar em separado, inclusive os instrumentos de uma orquestra, não é que escuto uma senhorinha mirrada a pedir, implorar, quase:

— Ó, Senhor, Tu és santo, Tu és bom. Preciso de um homem, Senhor! Meu corpo pede um homem, ó, meu Pai! Toda mulher precisa de homem. Espero por Ti, creio em Ti. Perdoa meus pecados. Confio em Ti. Quero um homem, Senhor! Um homem e nada mais.
Ouvi aquilo, preciso esclarecer, sem nenhuma vontade de rir. Sem deboche, portanto. Aquela mulher, que depois vim a saber ser tratada por Peta, precisava de um homem. Unzinho só que lhe satisfizesse as carnes e confortasse o espírito. Que mal havia nisso? Se precisasse de dinheiro, pediria. Mas não. Ela precisava de um homem e pediu de forma pura, sem se preocupar com o treinamento dos meus ouvidos e dos ouvidos de seus parceiros de fé. Um macho que nela montasse, ainda que lhe ferisse o corpo e nele despejasse as mazelas de si próprio, em forma líquida. Que lhe deixasse na alma as cicatrizes de suas maldades. Ela não pediu um homem bom. Pediu, corajosa e simplesmente, um homem.
A dor, pela carência de sexo, ensinou aquela mulher a gemer.
Saí dali com a forte impressão de que eu em nada diferia da Peta. Apenas não tinha coragem de clamar a Deus, em alta voz, para deixar de ser uma virgem.
Continuo cobarde. Sem homem e sem fé.
Virgem e louca.
 [*Procuradora aposentada, escritora, o  conto Virgem e Louca de seu livro Das Cobras o meu Veneno]
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